25 de julho de 2018

E se criassemos um universo em um laboratorio?

Será que um dia seremos capazes de criar um universo?

Por mais louca que pareça essa ideia, essa realmente é uma questão discutida pelos físicos. Em um texto publicado no site Aeon, a cosmóloga Zeeya Merali, autora do livro A Big Bang in a Little Room: The Quest to Create New Universes (Um Big Bang em um Pequeno Quarto: A Jornada para Criar Novos Universos, em tradução livre) discute este tema e suas ramificações práticas e filosóficas. Ela inicia seus argumentos relatando um curioso caso. Em 1991, o cosmólogo Andrei Linde, da Universidade de Stanford, nos EUA, escreveu um artigo a respeito do assunto, chamado “Difícil Arte da Criação do Universo” e submeteu à revista Nuclear Physics B. Nele, ele delineou a possibilidade de criar um universo em um laboratório. Um cosmos novo em folha, que poderia um dia desenvolver suas próprias estrelas, planetas e vida inteligente. Perto do final de seu artigo, Linde sugeriu que nosso próprio universo poderia ter sido criado dessa forma por um físico alienígena ou algo assim.

“Os avaliadores do artigo se opuseram a essa “piada suja”; As pessoas religiosas poderiam ficar ofendidas porque os cientistas estavam tentando roubar a façanha de fazer o universo das mãos de Deus, eles se preocuparam. Linde mudou o título e o resumo do artigo, mas manteve-se firme em relação à linha que o nosso universo poderia ter sido feito por um cientista alienígena. ‘Eu não tenho tanta certeza de que isso seja apenas uma piada’, ele me disse”, descreve Merali.

A partir daí, ela afirma que a ideia da criação de um universo em laboratório tem sido cada vez mais levada a sério no mundo da física.

“Avançando um quarto de século, e a noção de criação de universos – ou “cosmogênese” como eu chamo – parece menos cômica do que nunca. Eu viajei pelo mundo conversando com físicos que levam o conceito a sério, e que até mesmo esboçaram esquemas de como a humanidade poderia um dia alcançar (esse feito). Os avaliadores de Linde poderiam estar certos em se preocupar, mas eles estavam fazendo as perguntas erradas. A questão não é quem pode ser ofendido pela cosmogênese, mas o que aconteceria se fosse realmente possível. Como poderíamos lidar com as implicações teológicas? Quais responsabilidades morais viriam com humanos falíveis assumindo o papel de criadores cósmicos?”, questiona.

A criação de um novo universo esbarra nos conceitos que os físicos têm sobre a criação do nosso próprio universo. Merali conta que conversou com diversos especialistas para tentar entender os vários lados dessa questão

“Na década de 1980, o cosmólogo Alex Vilenkin, da Universidade Tufts, em Massachusetts, criou um mecanismo através do qual as leis da mecânica quântica poderiam ter gerado um universo inflável a partir de um estado em que não havia tempo nem espaço nem matéria. Há um princípio estabelecido na teoria quântica de que pares de partículas podem surgir espontaneamente, momentaneamente, do espaço vazio. Vilenkin levou essa noção um passo adiante, argumentando que as regras quânticas também poderiam permitir que uma bolha minúscula do próprio espaço surgisse do nada, com o ímpeto de então inflar em escalas astronômicas. Nosso cosmos poderia assim ter sido criado apenas pelas leis da física. Para Vilenkin, esse resultado pôs fim à questão do que veio antes do Big Bang: nada. Muitos cosmologistas fizeram as pazes com a noção de um universo sem um motor principal, divino ou não”, aponta.

“No outro extremo do espectro filosófico, eu me encontrei com Don Page, um físico e cristão evangélico da Universidade de Alberta, no Canadá, conhecido por sua colaboração precoce com Stephen Hawking sobre a natureza dos buracos negros. Para Page, o ponto saliente é que Deus criou o Universo ex nihilo – de absolutamente nada. O tipo de cosmogênese imaginada por Linde, em contraste, exigiria que os físicos inventassem seu cosmos em um laboratório altamente técnico, usando um primo muito mais poderoso do Grande Colisor de Hádrons. Também exigiria uma partícula-semente chamada “monopolo” (que é hipoteticamente existente em alguns modelos de física, mas ainda não foi encontrada)”.

Este novo universo que nasceria deste monopolo não se expandiria dentro do nosso. “A ideia é que, se pudéssemos transmitir energia suficiente para um monopolo, ele começaria a inflar. Em vez de crescer em tamanho dentro do nosso universo, o monopolo em expansão dobraria o espaço-tempo dentro do acelerador para criar um minúsculo buraco de minhoca que levaria a uma região separada do espaço. De dentro do nosso laboratório, veríamos apenas a boca do buraco de minhoca; nos pareceria um mini buraco negro, tão pequeno que seria totalmente inofensivo. Mas se pudéssemos viajar para aquele buraco de minhoca, passaríamos por um portal para um universo infantil em rápida expansão que havíamos criado”, explica a cientista.

Merali diz em seu texto que Page não vê ameaças à sua fé na ideia de um universo criado em laboratório, já que este seria fundamentalmente tecnológico. “Não temos motivos para acreditar que mesmo os mais avançados hackers da física possam conjurar um cosmo do nada”, argumenta Page. “Nesta primeira questão, então, a cosmogênese não necessariamente perturbaria as visões teológicas existentes”, acredita Merali.

Responsabilidade divina

A cientista também observa o problema por outro ângulo: caso criássemos um universo que eventualmente tivesse sua própria vida inteligente, qual seria nosso papel enquanto criadores? “Quais são as implicações dos seres humanos considerando a possibilidade de um dia fazermos um universo que pudesse ser habitado pela vida inteligente? Como eu discuto em meu livro, a teoria atual sugere que, uma vez que tenhamos criado um novo universo, teríamos pouca capacidade de controlar sua evolução ou o sofrimento potencial de qualquer um de seus residentes. Isso não nos tornaria divindades irresponsáveis ​​e imprudentes?”, ela questiona.


“Eu fiz essa pergunta para Eduardo Guendelman, físico da Universidade Ben Gurion, em Israel, um dos arquitetos do modelo de cosmogênese nos anos 80. Hoje, Guendelman está engajado em pesquisas que podem trazer a criação de um universo para o alcance prático. Fiquei surpresa ao descobrir que as questões morais não lhe causaram nenhum desconforto. Guendelman compara cientistas que refletem sobre a responsabilidade de criar um universo infantil com pais que decidem se querem ou não ter filhos, sabendo que irão inevitavelmente apresentá-los a uma vida cheia de dor e alegria”, conta.

Segundo ela, outros cientistas evitaram falar sobre estas questões, principalmente porque seriam necessárias décadas antes que tal experimento possa ser realizado, portanto preocupações éticas em potencial poderiam esperar. Então ela debateu estas questões com alguém que ganha a vida discutindo este tipo de tema: um filósofo. “Anders Sandberg, da Universidade de Oxford, que contempla as implicações morais da criação de vida artificial senciente em simulações de computador, argumenta que a proliferação da vida inteligente, independentemente da forma, pode ser tomada como algo que tem valor inerente. Nesse caso, a cosmogênese pode, na verdade, ser uma obrigação moral”, aponta.

Ciência sem medo

Para concluir seu texto, Merali afirma que discussões do tipo são válidas para que cientistas possam desenvolver seu trabalho sem medo de que possam ofender determinada religião ou credo. “Os editores da Nuclear Physics B prestaram um desserviço tanto à física quanto à teologia (ao censurar a ideia de Andrei Linde de que nosso universo poderia ter sido criado por físicos alienígenas). Seu pequeno ato de censura serviu apenas para sufocar uma discussão importante. O perigo real está em promover um ar de hostilidade entre os dois lados, deixando os cientistas com medo de falar honestamente sobre as consequências religiosas e éticas de seu trabalho por causa de preocupações de represália ou ridicularização profissional”, critica.

Apesar da criação de universos ser algo quase utópico, ela cita outros exemplos mais palpáveis que podem se beneficiar de discussões éticas mais aprofundadas.“Nós não estaremos criando universos tão cedo, mas os cientistas em todas as áreas de pesquisa devem se sentir capazes de articular livremente as implicações de seu trabalho sem a preocupação de causar ofensa. A cosmogênese é um exemplo extremo que testa o princípio. Questões éticas paralelas estão em jogo nas perspectivas mais imediatas de criar inteligência artificial ou desenvolver novos tipos de armas, por exemplo”, aponta.

“Embora seja compreensível que os cientistas se afastem da filosofia, com medo de serem considerados estranhos por se desviarem de sua zona de conforto, o resultado indesejado é que muitos deles ficam quietos sobre as coisas que realmente importam”, sentencia.

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