2 de março de 2019

Esse "truque" matemático mostra como o universo pode mesmo ser uma simulação

O tecido do espaço-tempo é amplamente aceito pelos físicos como emergente, costurado a partir de fios quânticos de acordo com um padrão desconhecido.

O espaço-tempo emergente pode ser estudado a partir de um modelo teórico conhecido como “universo em uma garrafa”. Embora seja um “universo de brinquedo” interessante, ele não é ideal – isso porque se refere ao holograma de um espaço que seria o oposto do nosso.

Agora, cientistas podem ter descoberto um modelo que explique o nosso espaço-tempo real como um holograma.


Espaço de Sitter x anti-de Sitter

Por 22 anos, os cientistas utilizaram principalmente um modelo de como tal espaço-tempo emergente pode funcionar: o “universo em uma garrafa”, criado por Juan Maldacena.

O espaço-tempo que preenche a região dentro da garrafa – um contínuo que se curva e ondula, produzindo a força chamada gravidade – é formado de uma rede de partículas quânticas que vivem na superfície rígida e livre de gravidade da garrafa, enquanto o interior se projeta da fronteira inferior como um holograma.

Essa proposição deu aos físicos um exemplo prático de uma teoria quântica da gravidade, mas não significa necessariamente que é assim que o espaço-tempo e a gravidade emergem em nosso universo real.

O interior da garrafa é um espaço dinâmico conhecido como “espaço anti-de Sitter” (AdS), negativamente curvado, como uma sela. As curvas tendem para a vertical quando nos afastamos do centro, dando ao espaço AdS seu limite externo – uma superfície onde as partículas quânticas podem interagir para criar o universo holográfico no interior.

No entanto, nós habitamos um “espaço de Sitter” (dS) de curvatura positiva, que se assemelha à superfície de uma esfera se expandindo sem limites.

Correspondência Ads/CFT

Em 1997, Maldacena descobriu uma correspondência entre o AdS e a teoria do campo conformal (CFT), um subconjunto das teorias quânticas de campo.
Desde então, os físicos buscam uma descrição análoga para o nosso universo dS. O problema é que a única “fronteira” do nosso universo é o futuro infinito.

A dificuldade conceitual de projetar um holograma a partir de partículas quânticas que vivem no futuro infinito há muito tempo frustra os esforços para descrever o espaço-tempo real holograficamente.

No último ano, porém, três físicos fizeram progressos em direção a um holograma do espaço de Sitter. Como a correspondência AdS/CFT, a deles também é apenas um modelo teórico, mas alguns dos princípios podem se estender a hologramas espaço-temporais mais realistas.

A nova pesquisa

A pesquisa foi conduzida por Xi Dong, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (EUA), Eva Silverstein, da Universidade de Stanford (EUA), e Gonzalo Torroba, do Centro Atômico de Bariloche (Argentina).
Eles construíram um holograma do espaço dS utilizando dois universos AdS, cortando-os, distorcendo-os e colando suas fronteiras.

O corte é necessário para lidar com um infinito problemático: o fato de que o limite do espaço AdS está infinitamente distante de seu centro. Os cientistas tornaram o espaço AdS finito cortando a região do espaço-tempo em um raio grande, criando o que é conhecido como “modelo Randall-Sundrum”, em homenagem aos físicos Lisa Randall e Raman Sundrum.

Em seguida, os pesquisadores adicionaram ingredientes da teoria das cordas para energizar as fronteiras, dando-lhes uma curvatura positiva. Esse procedimento, chamado de “elevação”, transformou os dois espaços AdS em forma de sela em espaços dS em forma de tigela.

Por fim, a equipe “colou” as duas tigelas ao longo de suas bordas. As CFTs descrevendo ambos os hemisférios se tornaram acopladas, formando um único sistema quântico holograficamente dual para todo o espaço esférico de Sitter. Esse modelo foi chamado de “correspondência dS/dS”.
Um esboço de Xi Dong do procedimento de corte, deformação e colagem que ele e seus colegas usaram para construir um holograma de um universo de de Sitter.

Ciência da computação

Silverstein propôs esta ideia já em 2004, mas novas ferramentas teóricas permitiram que ela, Dong e Torroba estudassem o holograma dS/dS em maior detalhe, mostrando que ele passa por importantes verificações de consistência.

O trio calculou que a entropia de entrelaçamento – uma medida de quanta informação é armazenada nas CFTs acopladas que vivem no equador – corresponde à fórmula de entropia conhecida para a região esférica correspondente do espaço de Sitter.

Eles e outros pesquisadores estão explorando o holograma de Sitter usando ferramentas da ciência da computação. Os cientistas já sabem que a correspondência AdS/CFT, por exemplo, funciona exatamente como um “código quântico de correção de erros”, um esquema para codificar informações de forma segura em um sistema quântico. A correção quântica de erros pode ser a forma como o tecido emergente do espaço-tempo alcança sua robustez, apesar de ser construído de partículas quânticas frágeis.

“Acredito que o holograma de Sitter também funciona como um código quântico de correção de erros, e eu gostaria muito de entender como”, afirmou Dong.

Ainda é cedo para dizer se os insights sobre como o espaço-tempo é tecido e como a gravidade quântica funciona no espaço AdS serão transferidos para um modelo de Sitter, mas esse é um novo caminho a ser percorrido pelos físicos.


Expandindo referencias:

Quanta Magazine

Como a gravidade funciona no regime quântico? Uma dualidade holográfica da teoria das cordas oferece uma poderosa ferramenta para desvendar o mistério.
Dirigido por  Emily Driscoll  e animado por Jonathan Trueblood  pela revista Quanta

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